Inauguramos mais uma série neste Blog com a finalidade de compartilhar com vocês alguns dos temas que envolvem “Direito e Pandemia”.
A situação atual trouxe e ainda trará reflexos em diversos ramos do Direito. Por essa razão, a equipe do Instituto Professora Carla Patrícia decidiu trazer, inicialmente, algumas das questões elaboradas para os cursos de segunda fase da magistratura estadual, que trouxeram como “pano de fundo” a epidemia por Covid-19.
Os tópicos constantes nessa primeira questão são temas importantes da atualidade e que ganham relevância diante da pandemia vivenciada. Estão tratados de forma bem superficial e genérica em texto cuja leitura foi sugerida aos nossos alunos e também está indicada ao final.
O texto e a questão aqui proposta estão baseados na ideia de “fato social total”, concebida por Marcel Mauss e também trabalhada por Émile Durkheim. Em razão da pandemia do coronavírus, o tema é tendência nas questões Formação Humanística daqui para a frente.Confiram:
QUESTÃO: “Disserte sobre a sociologia do coronavírus abordando os seguintes aspectos relevantes: A) centralidade social do trabalho invisível; B) efeitos das desigualdades sociais; C) microssociologia das saudações; D) novas formas de colaboração científicas; E) novas formas familiares”.
ESPELHO DA RESPOSTA:
A pandemia envolvendo o Covid-19 trouxe à luz diversos aspectos sociais das mais diversas comunidades e culturas. No Brasil, um desses processos foi a visibilidade provocada em relação aos milhares de trabalhadores informais. Com a imposição do distanciamento e do isolamento social, tais trabalhadores viram-se impossibilitados de gerar para si e suas famílias renda mínima de garantida subsistência. O amparo do Estado surgiu como a forma emergencial de sobrevivência para essas pessoas que, até então, eram desconhecidas da sociedade em geral. E nesse contexto, percebeu-se que, mesmo na informalidade, o trabalho e seu produto são divididos de forma desigual, se tomarmos em conta critérios – ou categorias sociais – como gênero, etnia, idade etc.
Outras espécies de desigualdades também surgem, à medida que a pandemia se alonga no tempo; ao lado das diferenças sanitárias e de saúde provenientes das distinções entre as classes sociais e econômicas, outras variáveis podem ser percebidas. Dentre essas situações, pode ser citada a capacidade de lidar com o fechamento das escolas, assim como com o homeoffice e o e-learning. No Brasil, por exemplo, intensa e até judicializada discussão se deu em razão da manutenção da data para o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, ante os incontestáveis dados de desigualdade entre os jovens no que respeita ao acesso à tecnologia, às ferramentas da internet em prol da educação.
Outras repercussões na esfera social têm relação imediata e direta com os comportamentos humanos e de sociabilidade internalizados nas comunidades e culturas em geral. Em grupos específicos os cumprimentos, as saudações, os rituais de convivência fazem parte da identidade dos membros e da coletividade desses grupos. O Covid-19 impôs a revisão desses códigos, de maneira a preservar vidas, dada a alta possibilidade de contaminação e os comprovados índices de letalidade.
Em nível macro, outra alteração importante, sob o ponto de vista da Sociologia, opera-se em relação à ciência e à pesquisa científica, mais especificamente. Com o Coronavírus surgem novas formas de colaboração, de maneira mais ampla, mais aberta e imediata, com trocas importantes de dados, informações e resultados. Essa comunicação repentina que se fez necessária em razão da urgência de medidas de tratamento e cura da doença, ao lado do desconhecimento da estrutura e do desenvolvimento do vírus, provocou uma brusca e rápida re-organização das comunidades científicas. A dúvida é se essa nova maneira de organização permanecerá ente os grupos da prática e da pesquisa científica na era pós-pandemia.
No âmbito das relações familiares são perceptíveis, igualmente, consequências provocadas pela pandemia. Pesquisas indicam que no Brasil muitas famílias se organizam de maneira a que avós e avôs cuidem de seus netos, de modo a viabilizar a produção de renda pelos pais das crianças. Inseridos no chamado “grupo de risco”, em geral, os avós devem permanecer distantes das crianças, que são potenciais vetores do vírus e com reação assintomática. A cadeia de contaminação, assim, se potencializa e pode levar à letalidade indesejada desses novos “chefes de família”. Várias acomodações das relações familiares vêm sendo exigidas sem que haja mudanças culturais capazes de justificar esse imposto distanciamento. Importante registrar que todos esses novos formatos na sociedade têm implicações imediatas e duradouras no campo do Direito, seja pela exigência de novas políticas públicas, pela indicação de elaborações legislativas adaptadas às novas realidades, seja pelas respostas que serão esperadas do Poder Judiciário daqui para a frente.
Caso tenha interesse, sugerimos leitura dos seguintes textos, que também podem ser úteis para provas de segunda fase envolvendo a temática apresentada:
- https://envolverde.cartacapital.com.br/coronavirus-sociedade-diante-do-espelho/
- https://www.migalhas.com.br/depeso/322915/a-disputa-politica-entre-a-uniao-e-estados-e-a-judicializacao-da-pandemia
Sobre Marcel Mauss, fizemos uma postagem recente em nossa página no Instagram (@institutoprofcarlapatricia). Segue o link para leitura: https://www.instagram.com/p/CAnFnZejTLJ/.