Continuando a série“Direito e Pandemia”,abordaremos outra questão discursiva trabalhada com os orientandos de segunda fase para a Magistratura Estadual.
O tema de hoje tem relação com o poder de polícia. Sem dúvida, é outro importante assunto em tempos de pandemia, especialmente em razão das imposições do Estado aos cidadãos em geral, no sentido de permanecerem em casa (distanciamento e isolamento social, quarentena), não circularem nas ruas, usarem máscaras, observarem regras de lockdown etc. Nesse contexto, o candidato aos concursos jurídicos deve ter em mente que conceitos do Direito Administrativo clássico começam a tomar proporções maiores em detrimento de conceitos da vertente contemporânea do Direito Administrativo.
Veja a questão proposta e o espelho:
QUESTÃO: Pode o Estado impor ao cidadão uma obrigação de fazer (facere), ainda que contra sua vontade? Não seria essa imposição uma ofensa à liberdade das pessoas assegurada constitucionalmente?
ESPELHO DA RESPOSTA: A questão diz respeito ao poder de polícia, conceituado pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o poder de polícia é a prerrogativa do Estado de limitar direitos individuais em favor do interesse social. A título de ilustração, podemos registrar as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello: “A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. […] A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando- se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar o desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais” (Curso de Direito Administrativo, 16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 709).
Há duas correntes doutrinárias a empreender o âmbito de atuação do Estado por intermédio de seu poder de polícia; para alguns, ao Estado é dado apenas impor aos indivíduos em geral abstenções (non facere) ou condutas de suportar as atitudes do Poder Público, de maneira a preservar o interesse público (ou social). Para outros, contudo, o poder de polícia é extensivo às ações positivas (facere) dos indivíduos em favor do bem comum.
Seja como for, tem-se que o exercício do poder de polícia pelo Estado tem mesmo o condão de restringir ou limitar liberdades individuais que, de fato, são prescritas e garantidas pela Constituição Federal de 1988. Deve-se ter em mente, porém, que os direitos fundamentais não são absolutos, podendo ser restringidos em determinadas situações, de forma a salvaguardarem-se os interesses sociais. Na doutrina em geral, apenas os direitos fundamentais de não ser escravizado (Norberto Bobbio) e não ser submetido a penas cruéis (Paulo Gustavo Gonet Branco) é que podem ser considerados absolutos no sistema jurídico-constitucional pátrio, tendo em vista que qualquer limitação, nesses casos, seria reputada ilegítima, por malferimento da dignidade humana em seu núcleo essencial.
Caso tenha interesse no aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de artigo de José dos Santos Carvalho Filho, utilizado como uma das bases para a formulação deste exercício: http://genjuridico.com.br/2020/04/14/coronavirus-poder-de-policia-impositivo/