Por Márcio Del Fiore
A NORMA JURÍDICA
Em seu livro Introdução ao Estudo do Direito, a norma jurídica nos é apresentada por Ferraz Jr. sob dois prismas: o zetético e o dogmático. Pelo primeiro, preocupa-se ele em investigar os elementos constitutivos comuns a toda norma jurídica, suas marcas distintivas em relação a outras normas sociais e sua contextualização em um sistema jurídico, sob o enfoque da pragmática jurídica. Já pelo prisma dogmático, a questão é tratada de forma menos problematizada: a preocupação central é identificar as normas jurídicas em um determinado ordenamento, sob o enfoque da dogmática analítica, visando à decidibilidade de conflitos, por meio do desenvolvimento, pelo operador do direito, de conceitos operacionais e técnicas próprios.
Sob o ponto de vista pragmático uma norma sempre é uma comunicação que expressa determinada atitude normativa, possuindo emissor (orador) e receptor (ouvinte). Trata-se de um discurso revestido de características especiais, a que se designa discurso normativo.
Discurso é o ato de falar como ação dirigida a alguém, com a pretensão de ser compreendido por esse alguém. Tem como elementos um orador, um ouvinte e um objeto ou questão. Quando presentes esses três elementos, instaura-se uma situação comunicativa.
Ferraz Jr. apresenta dois tipos fundamentais de discursos racionais, segundo sua estrutura:
- o dialógico, no qual é possibilitado o questionamento sobre as premissas, possuindo, assim, caráter reflexivo, marcado por atos de pergunta e de resposta, em que orador e ouvinte intercambiam-se. Tem um caráter personalíssimo, no sentido de que o discurso aparece como uma expressão pessoal de quem fala. Por isso, não é possível desvincular a ação linguística do seu orador, que não é simplesmente seu porta-voz, mas sim responsável por ela. O ouvinte, por sua vez, não é apenas espectador: é convidado a intervir. Ele segue as seguintes regras de racionalidade: dever de fundamentação do discurso (dever de prova), possibilidade de questionamento pelo ouvinte, permitindo que se estabeleçam, entre orador e ouvinte, diálogos parciais, inatacabilidade das ações linguísticas primárias (presunções, axiomas, pressupostos) do orador, porque este pode defendê-las, e impossibilidade de o orador modificar suas ações linguísticas primárias. O discurso dialógico pode ser homológico, caracterizado por uma estratégia de convencimento (discussão-com) baseado em enunciados verdadeiros e, por isso, demonstráveis e refutáveis, ou heterológico, caracterizado por uma estratégia de persuasão (discussão-contra), fundada no interesse, em face de conflitos entre expectativas incompatíveis que pedem uma decisão.
- o monológico, no qual o orador estabelece como premissa uma verdade irrefutável. Tem, portanto, um ponto de partida certo, que admite axiomatização. Este discurso parte da regra de que nem todos os atos do orador podem ser atacados, ao que se segue a regra de que se o ato for atacável, não poderá ser proposto; se defensável, não poderá se posto em questão. Pressupõe o princípio lógico do terceiro excluído. Nesse caso, o orador pode se colocar num segundo plano, pois, ao propor ato de falar não-atacável, não é responsável pessoalmente por esse ato, eis que as fundamentações decorrem do que foi assumido como defensável. Por isso, ao contrário do discurso dialógico, tem caráter impessoal e possibilidade de generalização e universalização. O ouvinte, de sua parte, torna-se passivo, já que nele não pode interferir, do que decorre uma interrupção da reflexividade (a questão é um certum: verdadeiro ou falso, sim ou não).
Há, ainda, um terceiro tipo de discurso, que por sua ambiguidade é chamado por Ferraz Jr. de sui generis: o discurso normativo. Esse discurso corresponde à norma jurídica. Um discurso normativo, ou simplesmente norma, é uma espécie de discurso, a que Ferraz Jr. qualifica de sui generis. Isso porque tem uma ambiguidade que lhe é própria, sendo estruturalmente dialógico em seu aspecto-relato, e monológico em seu aspecto-cometimento. Por isso, a questão (objeto) do discurso é, ao mesmo tempo, um certum e um dubium. O editor normativo, ao determinar um comportamento, proibindo-o ou obrigando-o, estabelece uma metacomplementaridade de que decorrem apenas duas possibilidades: ou o endereçado coopera, ou sua reação será rejeitada. O comunicador que se recusa a aceitar a ação lingüística do editor normativo tem-lhe imputado o ônus da prova.
Por outro lado, o discurso normativo assume uma estrutura dialógica em seu aspecto-relato (conteúdo da norma), em que os endereçados podem assumir uma postura de ouvintes ativos, convidados a participar no sentido de co-determinar o seu sentido. Há possibilidade de reação por parte do ouvinte, que pode concordar, discordar, concencionar, comparar etc. Neste caso, o ouvinte deixa-se persuadir, e figura como intérprete. Diante dessa possibilidade, o editor normativo surge como parte argumentante, pois deve persuadir o endereçado com os procedimentos pertinentes.
É importante grifar que a relação de autoridade não é garantida pelo efetivo cumprimento do relato, mas sim pela “garantia de que reações que desqualificam a autoridade, como tal, estão excluídas da situação comunicativa.
A ameaça de sanção (quando existente em uma norma, já que não é obrigatória), por exemplo, integra o aspecto-relato da norma, e não o seu cometimento, consistindo num argumento de persuasão a indicar ao endereçado do comportamento do editor em caso de comportamento contrário. Com ela, o editor mantém sua autoridade, mas a suspende temporariamente, até que o comportamento condicionante ocorra. Eis o comportamento ambíguo do discurso normativo.
Conceito de norma jurídica
É possível definir normas jurídicas como sendo expectativas contrafáticas, que se expressam por meio de proposições de dever-ser, estabelecendo-se entre os comunicadores sociais relações complementares institucionalizadas em alto grau (relação metacomplementar de autoridade/sujeito), cujos conteúdos têm sentido generalizável, conforme núcleos significativos mais ou menos abstratos. Ou, de forma mais precisa, normas jurídicas são discursos heterológicos, decisórios, estruturalmente ambíguos, que instauram uma meta-complementaridade entre orador e ouvinte e que, tendo por quaestio um conflito decisório, o solucionam na medida em que lhe põem fim.
Classificação das normas jurídicas
Pode-se dizer que as normas se classificam conforme critérios sintáticos (normas em relação a normas), semânticos (normas em relação ao objeto normado) e pragmáticos (normas em relação a sua função).
Validade da norma jurídica
Seguindo seu modelo pragmático, Ferraz Jr. vê na relação entre as normas uma forma de interação. Assim, o conceito de validade é um conceito relacional, e não ontológico. Trata-se de uma propriedade de discursos normativos.
Para que uma norma seja reconhecida com válida, deve ela estar integrada em um ordenamento jurídico (sistema normativo). Se uma norma foi produzida atendendo aos requisitos desse ordenamento, é considerada válida, ou seja, pertinente a esse sistema. À observância do processo de produção da norma pelo legislador, chama-se validade formal. À observância da matéria, validade material. Os critérios para reconhecimento da validade observados por Ferraz Jr. coincidem com os de Reale, no que este denomina validade formal: em razão da matéria, da forma e da competência para produção de normas.
Efetividade da norma jurídica
Enquanto a validade de uma norma depende de outra norma (aspecto-relato da norma imunizando o aspecto-cometimento de outra), a efetividade diz respeito à relação de adequação do aspecto-cometimento com o aspecto-relato de uma mesma norma. Ferraz Jr. propõe um conceito pragmático de efetividade que conjuga as concepções – por ele classificadas – sintáticas e semânticas. Pela concepção “sintática”, efetividade confunde-se com eficácia, que é a aptidão da norma para produzir efeitos jurídicos, independentemente de sua produção (eficácia técnica); já para a visão “semântica”, efetividade seria uma qualidade da norma que é socialmente cumprida, ou seja, aplicada concretamente (eficácia social).
O ordenamento jurídico
Ferraz Jr., a partir da teoria dos sistemas de Luhmann, vê no sistema jurídico um subsistema auto-referencial (ou autopoiético) no interior de um sistema social global, que se diferencia deste por meio de atributos peculiares, e tem capacidade de se auto-estabilizar em face de perturbações tanto externas quanto internas. Trata-se de um subsistema do tipo aberto, que permite a importação (input) e a exportação (output) de informações com outros sistemas (o dos conflitos sociais, políticos ou religiosos, por exemplo), com o fim de impedir a continuação de conflitos.
O ordenamento jurídico não se reduz a uma única unidade hierárquica, e, portanto, não tem estrutura de pirâmide, como, por exemplo, propuseram Kelsen e Bobbio. Como afirma o juspublicista brasileiro, a posição pragmática é de que o sistema do ordenamento, não se reduzindo a uma (única) unidade hierárquica, não tem estrutura de pirâmide, mas estrutura circular de competências referidas mutuamente, dotada de coesão, em que as competências se entrecruzam. Segundo essa estrutura, criam-se cadeias normativas que, dentro do sistema, podem assumir formas hierárquicas, embora as diversas cadeias, entre si, guardem, antes, formas circulares de competências entrecruzadas, de mútuas limitações. Essa concepção é coerente com o princípio pragmático da interação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de outras pessoas. Introduz-se, aqui, a noção de feedback ou retroalimentação (conceito este trazido da cibernética), segundo a qual parte do produto de um sistema é reintroduzida no sistema como informação sobre o produto resultante.
A retroalimentação pode ser positiva ou negativa. A positiva atua no sentido de aumentar o desvio do produto, provocando mudanças e a consequente perda da estabilidade do sistema, enquanto a negativa atua no sentido de que a informação é usada para diminuir o desvio do produto de um conjunto de normas ou tendências. No âmbito do sistema normativo, Ferraz Jr. vê nas reações que reforçam a metacomplementaridade uma retroalimentação negativa (mantém o sistema), enquanto que nas reações que levam à simetria, uma retroalimentação positiva (leva ao rompimento da comunicação).
Sendo o ordenamento jurídico um sistema não-piramidal, não há que se falar em uma norma fundamental, que dá validade a todas as demais normas dela derivadas, como defendia Kelsen. Por outro lado, a relação de imunização não pode se realizar em série infinita, uma vez que se trata de uma relação de imputação, e não causal, necessitando, então, da identificação de uma norma-origem sobre a qual as demais normas (normas derivadas267) se apoiem para que sejam válidas no sistema.
Em realidade, o sistema admite não apenas uma norma-origem, mas várias delas. Essas normas-origem, entretanto, não podem ser consideradas nem válidas, nem inválidas, pois não há norma superior que as imunize, e ao mesmo tempo podem ser inválidas perante outras normas-origens. Assim, um sistema normativo admite várias cadeias normativas com diversas normas-origens, até mesmo incompatíveis entre elas. A coesão do sistema é garantida pelas relações de calibração, em que repousa a imperatividade do ordenamento jurídico.
Relação de calibração e imperatividade da norma e do sistema
Normas-origens são normas efetivas, que dão início a novas cadeias normativas válidas no sistema. Sua imunização se dá não por meio de normas, mas por meio de regras que não são normas, mas fazem parte do sistema, e que representam a institucionalização (e, portanto gozam de consenso presumido de terceiros) de uma situação de fato, de um conjunto de situações favoráveis, que dão imperatividade à norma. Essas regras são chamadas por Ferraz Jr. de regras de calibração.
As regras de calibração funcionam como uma espécie de “termostato”, a garantir a estabilidade do sistema: quando uma cadeia normativa não dá conta de solucionar um conflito dado, o sistema exige uma mudança no seu “padrão de funcionamento” (por exemplo, “padrão-efetividade”, “padrão-legalidade”, “padrão dos regimes de exceção”), o que ocorre com a criação de uma norma-origem, da qual se desencadeia uma nova série normativa. Essa mudança é dinâmica, em que o sistema vai de um padrão para ou outro, cria novos padrões, extingue outros. Exemplo é o das lacunas do ordenamento: a regra de calibração segundo à qual é defeso ao juiz deixar de julgar sob o argumento de falta ou obscuridade da lei faz com que o magistrado crie uma norma, provocando uma mudança do padrão-legalidade para o padrão-efetividade, que em seguida volta ao padrão-legalidade. A decisão será uma nova norma-origem (é o caso, por exemplo, das súmulas do STF). O mesmo vale para perturbações externas, como, por exemplo, um golpe militar, com a promulgação de uma nova constituição. As regras de calibração estão “espalhadas pelo sistema”, e “permitem determinar, em cada caso, a relação de autoridade, a meta-complementaridade, fazendo com que o sistema normativo, como um todo, mantenha sua capacidade de terminar conflitos, pondo-lhes um fim”. Essa capacidade não é determinada pelas condições iniciais do sistema (uma norma fundamental), mas pelo “parâmetro” do sistema, ou seja, na sua organização atual, com seus padrões de funcionamento (regras de calibração).
Da relação entre a norma-origem e a regra de calibração, resulta da imperatividade daquela, que é imunizada contra desconfirmação do endereçado. Uma norma é imperativa quando pode impor um comportamento independentemente da colaboração do interessado, sendo ela, por isso, apta a produzir efeitos imediatos, ainda que inválida. Trata-se de uma relação entre o aspecto-cometimento de uma norma e o aspecto-cometimento de outra norma. Ferraz Jr. admite, então, que uma norma inválida pode perfeitamente integrar o sistema e ter força vinculante (efetividade). Exemplo disso são as normas inválidas que, se não declarada sua invalidade, ingressam permanentemente no sistema (por exemplo, uma sentença inválida contra a qual não haja recurso e, por isso, transite em julgado).
O caráter ideológico dos sistemas normativos
Para Ferraz Jr. a noção de imperatividade do discurso normativo e de regras de calibração do sistema está ligada à ideologia. Sendo o discurso normativo um discurso racional dialógico, do tipo discussão-contra (heterológico), o que se busca é a persuasão, e não a verdade. A persuasão funda-se em um interesse (intersubjetivo), que, por sua vez, manifesta-se através de valores.
Sob o ângulo pragmático, o valor pode desempenhar uma função seletiva justificadora (“campo valorativo”) ou modificadora (“programa valorativo”). No primeiro caso, um comportamento (ou um conjunto deles) é tido como invariante, de tal modo que, sempre que ocorra, aparecerá um valor para justificá-lo. No segundo caso, o valor é visto como um fim, invariante, diante do qual são selecionados critérios para a seleção de comportamentos. Essas funções aparecem tanto no nível do aspecto-cometimento quanto do aspecto-relato do discurso normativo, e visam a persuadir o endereçado quanto a determinados comportamentos. Por esse motivo, é um instrumento de controle de comportamento.
A norma jurídica não pode ser vista como axiologicamente neutra. Entretanto, os valores, para que possam cumprir sua função na norma, devem ser neutralizados, ou seja, devem perder suas características dialógicas, sendo-lhes retirada a sua reflexividade. Esse papel é desempenhado pela ideologia.
Ao contrário dos valores, a ideologia é rígida e limitada, e atua no sentido de tornar “consciente” a função seletiva do valor. Cumpre o papel de valorar os valores, sistematizá-los e hierarquizá-los, retirando-os a reflexividade infinitamente regressiva e circular, para orientá-los conforme as necessidades e as possibilidades de ação, esgotando as possibilidades conotativas do valor. Ao fazer isso, ela dá um sentido aos valores, tornando-os comunicáveis, mas pervertendo-os por tirar-lhes a reflexividade que lhes é própria (por exemplo, a “liberdade”, que é um valor, mas que no discurso será uma liberdade no sentido liberal, conservador, comunista etc.). A ideologia tem, por isso, a função de dar uma consistência concreta aos valores, que são demasiadamente abstratos, possibilitando, assim, o consenso dos que precisam expressar seus valores, e, com isso, possibilita a integração de interesses e a sua realização. Ela impõe uma relação comunicativa que decide o sentido do relato da comunicação, e nesses termos é um ato de “violência simbólica”, de imposição, e por isso constitui o momento monológico do discurso normativo. A própria dogmática jurídica insere-se nesse contexto, na medida em que é parte do ethos social, o qual resulta do costume, da tradição e da moralidade.
Assim, a ideologia garante a imperatividade da norma e do próprio sistema. Ela é metacomunicativa, e atua no sentido de estabilizar a relação autoridade/sujeito, tornando-a rígida e garantindo-a contra desconfirmações.
Legitimidade do sistema normativo
Ferraz Jr. compara o sistema normativo a um “jogo sem fim”, pelo qual os participantes combinam de inverter o sentido do que é falado. O sistema normativo é um típico caso de jogo sem fim, pois, devido ao princípio da impossibilidade de não comunicar, ao interromper o “jogo” anterior instaura uma nova comunicação. Também é um jogo sem início, porque não se concebe a interação humana sem a presença de normas. Tal situação impossibilita a avaliação, do ângulo interno, quanto à legitimidade do próprio direito. A solução seria, então, o recurso a um padrão externo (aos moldes das regras estipuladas no “jogo sem fim), que pudesse interromper o jogo sistema normativo.
Não há como solucionar essa questão a partir da noção de uma “norma fundamental”: a legitimidade está na própria atividade (atualidade) do sistema.
Não se pode, portanto, recorrer a uma instância superior legitimadora, motivo pelo qual não se pode, também, recorrer à ideia de norma fundamental. A própria noção de soberania, enquanto instância legitimadora, em realidade tem um caráter aporético: só se pode entender soberania “se houver complementaridade, em que um manda e outro obedece, e soberano é aquele que obedece a si próprio, é emissor e receptor complementar de si próprio”. Se para os discursos homológicos tal concepção não faz sentido, para a lógica dos discursos heterológicos esse caráter é o que viabiliza os discursos decisórios. Assim, o discurso normativo, dentro dos quadros da racionalidade, assume a aporia como ponto de partida, em vez de negá-la.
O discurso normativo prescinde, enquanto decisão, da verdade, dada sua heterologia. Seu caráter normativo, entretanto, se dá na estrutura monológica, apoiando-se num consenso fictício, que é garantido pela ideologia. Assim, a ideologia garante a imperatividade do sistema, num momento autoritário (e não persuasivo), configurando-se um certum, em nível de cometimento, mas também está presente na estrutura dialógica, caracterizada como um dubium, em nível de relato, já que os valores que ela possibilita devem ser comunicados.
Para Ferraz Jr., todo discurso normativo é uma violência simbólica,318 enquanto imposição de um poder arbitrário que decide o sentido do relato da comunicação. Trata-se de uma imposição arbitrária no sentido de seleção fortalecida do sistema de opções (decisões sobre decisões), não se confundindo com imposição pela força ou com imposição gratuita. A força deve ser uma alternativa a ser evitada, de tal forma que, quando usada concretamente, este uso seja demonstrado como paradigmático e não como um exercício contínuo e normal. Mais importante do que usar a força é demonstrar que seria uma loucura provocar seu uso.
Por esse motivo, a força, para o direito, tem um sentido de ocorrência futura a ser evitada, por meio da ameaça de sanção. Nesse sentido, o fundamento de legitimidade do direito é o uso ideologicamente justificado da força, que, não pertencendo ao aspecto-cometimento do discurso normativo, passa a fazer parte de seu aspecto-relato, na forma de ameaça de sanção. Assim, as ideologias expressam o domínio de valores e finalidades já valorados ideologicamente, o que permite apenas uma discussão (dialógica) técnico-instrumental. Não há como fugir dos limites ideológicos, pois uma visão externa do direito não é viável: é um jogo sem fim. Isso explica o “momento da dogmaticidade do direito”.