Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. REsp 1.809.486-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/12/2020, DJe 16/12/2020 (Tema 1032).
Ao contratar um plano de saúde e despender mensalmente relevantes valores na sua manutenção, o consumidor busca garantir, por conta própria, acesso a um direito fundamental que, a rigor, deveria ser prestado pelo Estado de modo amplo, adequado, universal e irrestrito.
Ocorre que, se a universalização da cobertura – apesar de garantida pelo constituinte originário no artigo 198 da Constituição Federal e considerada um dos princípios basilares das ações e serviços públicos de saúde nos termos do artigo 7º da Lei 8.080/90 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências – não é viabilizada pelo Estado no tempo e modo necessários para fazer frente às adversidades de saúde que acometem os cidadãos, tampouco pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado, porquanto, nos termos do artigo 199 da Constituição Federal e 4º, § 1º, da Lei n. 8.080/90, a assistência à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar.
A presente discussão vincula-se, exatamente, às entidades privadas de assistência à saúde que, embora prestem – de modo secundário e supletivo – serviços de utilidade pública relacionados a direito fundamental estabelecido na Carta Constitucional, exercem, no âmbito do sistema da livre iniciativa, o seu mister com foco na obtenção de lucro inerente à atividade exercida, ressalvadas aquelas instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos.
Assim, diferentemente do Estado, que tem o dever de prestar assistência ampla e ilimitada à população, a iniciativa privada se obriga nos termos da legislação de regência e do contrato firmado entre as partes, no âmbito do qual são estabelecidos os serviços a serem prestados/cobertos, bem como as limitações e restrições de direitos.
A Lei n. 9.656/98 rege os planos e seguros privados de assistência à saúde e permite à operadora dos respectivos serviços custear, total ou parcialmente, a assistência médica, hospitalar e odontológica de seus clientes, estabelecendo no artigo 16, inciso VIII, que os contratos, regulamentos ou produtos colocados à disposição dos consumidores podem fixar “a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário”.
Como se vê da lei de regência, os planos de saúde podem ser coparticipativos ou não, sendo, pois, lícita a incidência da coparticipação em determinadas despesas, desde que informado com clareza o percentual deste compartilhamento, nos termos dos artigos 6º, inciso III e 54, §§ 3o e 4o da Lei 8.078/90, nos quais estabelecido que eventuais limitações a direitos, ressalvas e restrições de cobertura, bem como estipulações e obrigações carreadas aos consumidores devem ser redigidos de modo claro, com caracteres ostensivos e legíveis e com o devido destaque a fim de permitir a fácil compreensão pelo consumidor.
A prescrição da internação em virtude de transtornos psiquiátricos ou doenças mentais é considerada uma medida terapêutica excepcional, a ser utilizada somente quando outras formas de tratamento ambulatorial ou em consultório se mostrarem insuficientes para a recuperação do paciente/consumidor.
Diante desse contexto, em obediência aos ditames da Lei n. 9.656/98, que admite a coparticipação de algumas despesas, e aos princípios orientadores da internação segundo a Lei n. 10.216/2001, o Conselho Nacional de Saúde Complementar – CONSU e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a fim de regulamentarem a questão, editaram diversas Resoluções Normativas para o trato da matéria ao longo das últimas duas décadas.
Consoante os ditames legais e regulamentares acerca da questão jurídica, verifica-se que não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor, limitada ao máximo de 50% do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde, para a hipótese de internação superior a 30 (trinta) dias decorrente de transtornos psiquiátricos, pois destinada à manutenção do equilíbrio entre as prestações e contraprestações que envolvem a gestão dos custos dos contratos de planos privados de saúde.